É consabido, e largamente debatido nos círculos especializados em Direito Administrativo, que as contratações públicas devem ser precedidas por um planejamento meticuloso, consistente e tecnicamente fundamentado. Tal exigência não constitui mera formalidade, mas verdadeiro imperativo jurídico que encontra respaldo na Constituição da Republica Federativa do Brasil e na legislação infraconstitucional, notadamente na Lei Federal n.º 14.133/2021.
O processo de planejamento deve culminar na elaboração de estudo técnico preliminar e de termo de referência ou projeto básico exaustivamente detalhado, os quais são instrumentos essenciais à racionalização das aquisições públicas. Contudo, permanece latente a tensão entre a rigidez procedimental do planejamento e a premente necessidade de efetiva realização do interesse público.
O princípio do planejamento, ao lado dos princípios da eficiência e da eficácia, figura como um dos alicerces da Administração Pública contemporânea. Esses três vetores normativos caminham em convergência, objetivando harmonizar a formalização processual com a obtenção de resultados concretos e socialmente relevantes. À semelhança do que se reconhece no Direito Privado quanto à função social do contrato, no âmbito público busca-se a utilidade do processo como valor finalístico: trata-se da aquisição do objeto certo, no tempo adequado e na forma juridicamente válida, de modo a atender integralmente às necessidades institucionais.
Nesta teia, cumpre salientar, todavia, a distinção ontológica e operacional entre eficiência e eficácia. A primeira diz respeito à racionalidade procedimental – fazer as coisas da maneira correta; a segunda, ao alcance dos objetivos substantivos – fazer as coisas certas. A atuação administrativa, portanto, não será satisfatória se, embora formalmente eficiente, não lograr realizar a finalidade pública precípua.
A doutrina gerencialista, representada por autores como Stoner e Freeman (1995), enfatiza que o desempenho do administrador deve ser aferido a partir de critérios binários: a eficiência processual e a eficácia material. Ambos os atributos são relevantes, mas é a eficácia que legitima a atuação estatal, uma vez que nenhuma excelência procedimental é capaz de justificar a frustração do objetivo público. Chiavenato (1994), por sua vez, aprofunda essa diferenciação ao associar a eficiência à utilização racional dos meios e a eficácia ao grau de concretização dos fins. É inócua, portanto, uma contratação tecnicamente impecável que, ao final, não entrega à Administração o resultado almejado.
Nesse cenário, emerge a constatação de que o processo licitatório ideal – perfeito em sua instrução, irrepreensível na sua formalização – pode tornar-se um artefato vazio se não alcançar o escopo para o qual foi instaurado. A idealidade processual, quando dissociada da efetividade, converte-se em utopia burocrática.
A analogia é elucidativa: se o planejamento representa a largada, a eficiência simboliza o caminho e a eficácia, a linha de chegada. Em múltiplas ocasiões, alcançar o resultado útil implica relativizar a rigidez do percurso procedimental previamente traçado. Nesse momento, estabelece-se inevitável colisão entre o formalismo exigido pelos órgãos de controle e a necessidade concreta da Administração de satisfazer, tempestivamente, o interesse público.
É imperativo ressaltar que celeridade não se confunde com ilegalidade. O gestor público deve adotar medidas ágeis, sem se desviar dos marcos normativos, ponderando, contudo, que a urgência pode demandar a superação, excepcional e justificada, do planejamento inicialmente delineado. Nessas hipóteses, o princípio da supremacia do interesse público autoriza a prevalência da eficácia, sem que isso implique desrespeito à legalidade.
O planejamento, como função essencial do processo administrativo, encontra assento na Constituição Federal, na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000) e na Lei nº 4.320/1964. Trata-se de instrumento que busca compatibilizar necessidades institucionais com limites orçamentários, conferindo racionalidade à alocação de recursos públicos. Conforme leciona Prates (2017), o planejamento pode se apresentar sob diversas formas – participativo, coordenado, integrado e permanente –, sendo que sua efetividade depende da articulação entre esses elementos.
Entretanto, como bem observam os estudiosos da gestão pública, a Administração funciona como um complexo sistema interdependente. Um “furo” no planejamento, ainda que pontual, pode comprometer a totalidade da engrenagem, ocasionando prejuízos significativos. Nessas hipóteses, ao gestor cabe exercer juízo de ponderação entre princípios colidentes, atribuindo prevalência àquele que melhor salvaguarda o bem jurídico maior – o interesse público.
A teoria da ponderação, sistematizada por Robert Alexy (2005), orienta essa operação hermenêutica: deve-se mensurar, em primeiro lugar, o grau de sacrifício imposto a um princípio; em segundo lugar, a importância da realização do princípio contraposto; e, por fim, verificar se o benefício alcançado justifica o ônus suportado. Aplicada à dicotomia entre planejamento e eficácia, a técnica da ponderação revela que a realização do interesse público pode, excepcionalmente, exigir o afastamento pontual do formalismo procedimental.
É frequente que as falhas no planejamento advenham da carência de qualificação técnica dos servidores responsáveis, os quais, movidos pela intenção de alcançar o resultado, adotam soluções improvisadas e heterodoxas, expondo o gestor a riscos administrativos e jurídicos. Nessas circunstâncias, a eficácia prevalece como fundamento para a relativização do planejamento, sem prejuízo da apuração das responsabilidades funcionais decorrentes.
O gestor público, conquanto autorizado a adotar medidas excepcionais, não se exime do dever de instaurar procedimento administrativo para apuração de condutas eventualmente culposas. Sarmento (2003) sustenta que a vinculação do administrador à juridicidade demanda, mesmo nos casos excepcionais, a submissão das decisões a critérios racionais e transparentes. A instauração de processo disciplinar, quando cabível, constitui não apenas instrumento de responsabilização, mas também medida pedagógica e preventiva.
Recomenda-se, ademais, que os entes públicos – sejam da Administração Direta ou Indireta – editem normativos internos que regulamentem o processamento disciplinar e estabeleçam protocolos claros para a condução das apurações. Nesse contexto, a Lei nº 9.784/1999, no âmbito federal, oferece um marco jurídico seguro para a instrução processual e resguardo dos direitos dos envolvidos.
O controle interno, por sua vez, desempenha papel estratégico ao atuar de forma educativa e orientadora, contribuindo para a mitigação de falhas e reduzindo a incidência de apontamentos por parte das auditorias externas. A orientação preventiva revela-se mais eficiente do que a repressão punitiva ex post.
Diante disso, conclui-se que, embora o princípio do planejamento seja regra basilar nas contratações públicas, não pode ser erigido como obstáculo intransponível à realização do interesse público. A ausência de planejamento ou a sua ineficácia não devem paralisar a máquina administrativa, desde que a atuação do gestor se paute pela razoabilidade, pela proporcionalidade e pela motivação técnica e jurídica adequadas.
Reitera-se, por fim, que o planejamento deve ser sempre observado como premissa, e, quando excepcionalmente relativizado, deve sê-lo mediante fundamentação robusta, acompanhada das providências administrativas necessárias para evitar a reiteração da falha. Assim, preserva-se a supremacia do interesse público sem descurar do dever de eficiência e da responsabilidade administrativa.
Referencias:
[1] STONER, J. A. F; FREEMAN, R. E. Administração. Rio de Janeiro: Prentice-Hall, 1995. p. 136-239.
[2] CHIAVENATO, I. Recursos humanos na Empresa: pessoas, organizações e sistemas. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 67-76.
[3] PRATES, Wlademir Ribeiro. Princípios gerais e específicos do planejamento. 2017. https://www.wrprates.com/principios-do-planejamento/
[4] ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais, Ponderação e Racionalidade. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, nº 24, p. 334-344, out./dez. 2005.
[5] SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003.
Vanessa de Oliveira, Advogada.