Este artigo analisa a natureza jurídica do lucro e do superávit no Terceiro Setor, esclarecendo a diferença entre ter lucro e ter fins lucrativos. Aborda o papel das Organizações da Sociedade Civil (OSCs), a importância da geração de receitas para sua manutenção e o uso correto dos termos "sem fins econômicos" e "sem fins lucrativos". O texto também explica como o superávit é essencial à sustentabilidade dessas entidades e desmistifica equívocos comuns sobre sua atuação financeira.
Lucro e Superávit no Terceiro Setor da Economia
O surgimento das entidades privadas desprovidas de finalidade econômica deu ensejo à consolidação do denominado Terceiro Setor da Economia, inicialmente representado pelas Organizações Não Governamentais (ONGs) e atualmente classificadas como Organizações da Sociedade Civil (OSCs).
Nesse contexto, o Terceiro Setor compreende as atividades de cunho voluntário, voltadas à promoção do bem-estar social coletivo, tendo como principal característica a ausência de finalidade econômica — ou seja, não visa à distribuição de lucros entre seus dirigentes.
Para melhor compreensão desse conceito, oportuno citar os ensinamentos do Professor Fernando Herren Aguilar, na obra Direito Econômico: do Direito Nacional ao Direito Supranacional:
“A sociedade civil tem desenvolvido espontaneamente organizações de caráter privado com objetivos sociais públicos. Suas várias manifestações têm sido chamadas coletivamente de Terceiro Setor. Representam um fenômeno que, se não é novo, visto que serviços sociais autônomos como o SENAI, SESI e outros já existem há muito tempo, apenas nas últimas décadas tiveram um incremento apreciável.
O Terceiro Setor é assim referido em comparação ao Estado (primeiro setor) e à iniciativa privada (segundo setor). São exemplos de entidades do Terceiro Setor as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).
Na medida em que tais entidades são reconhecidas e estimuladas pelo Poder Público, como coadjuvantes de ações estatais, representam também instrumentos inovadores de implementação de políticas públicas.”
Apesar disso, é comum — especialmente em razão do desconhecimento quanto ao funcionamento prático dessas entidades — a equivocada compreensão de que a ausência de finalidade econômica corresponderia à impossibilidade de obtenção de receitas ou excedentes financeiros para a manutenção de suas atividades.
Esclareça-se: a vedação à exploração de atividade econômica com finalidade lucrativa não exime as OSCs da necessidade de gerar receitas, de modo a garantir sua sustentabilidade operacional e o cumprimento de seus objetivos estatutários.
O que a doutrina jurídica e contábil contemporânea denomina de superávit corresponde, em termos simples, ao montante líquido remanescente após a quitação de todas as obrigações financeiras da entidade — recursos esses que são integralmente reinvestidos na consecução de sua finalidade social. Assim, embora o “lucro” enquanto objetivo seja inexistente, sua ocorrência enquanto resultado é indispensável à continuidade das atividades da organização.
Portanto, o chamado "lucro" — entendido como o saldo positivo entre receitas e despesas — deve existir, não para fins de distribuição entre dirigentes, como ocorre nas empresas do setor privado (segundo setor), mas para possibilitar a geração do superávit, que será revertido ao cumprimento das finalidades institucionais da entidade.
Nesse sentido, é relevante destacar que o Código Civil de 2002 deliberadamente abandonou a expressão “sem fins lucrativos”, justamente por conta das interpretações equivocadas que vinham sendo atribuídas ao termo — especialmente a ideia de que tais entidades estariam impedidas, em qualquer hipótese, de auferir resultados financeiros positivos. Essa concepção, hoje superada tanto no âmbito jurídico quanto no contábil, deu lugar à expressão “sem fins econômicos”, que melhor traduz a natureza dessas organizações: entidades que podem gerar excedentes financeiros, desde que estes sejam integralmente reinvestidos em seus objetivos sociais.
Dessa forma, conclui-se que o lucro — enquanto resultado financeiro positivo — está presente no Terceiro Setor, distinguindo-se, todavia, pela destinação que recebe: ao passo que, no Segundo Setor, é distribuído entre os sócios, no Terceiro Setor é convertido em superávit, com vistas à continuidade e ampliação das ações estatutárias das Organizações da Sociedade Civil.
Vanessa de Oliveira, Advogada.