A participação dos sócios ocultos em sociedades empresariais.

Limites jurídicos e alternativas para a configuração societária

Este artigo explora a questão da participação de sócios ocultos em sociedades empresariais, com foco nas sociedades limitadas, onde a transparência e a responsabilidade são elementos essenciais. Aborda as implicações legais de sócios não formalizados, examina alternativas legais para inclusão de sócios de fato, como a Sociedade em Conta de Participação (SCP), e avalia os riscos associados a essas estruturas.


Introdução

A organização societária é um dos pilares do direito empresarial, sendo crucial para definir responsabilidades, direitos e obrigações entre os sócios e perante terceiros. Em alguns casos, a presença de sócios que não constam formalmente do contrato social levanta questionamentos legais, especialmente em sociedades limitadas, cuja estrutura exige uma clara atribuição de direitos e deveres. Neste contexto, abordaremos as limitações jurídicas da ocultação de sócios em sociedades limitadas e as alternativas possíveis. 

Transparência e Responsabilidade na Sociedade Limitada 

O Código Civil brasileiro estabelece que o contrato social de uma empresa deve indicar claramente todos os sócios, pois é um documento público destinado a informar terceiros sobre a estrutura da sociedade e a atribuição de responsabilidades (art. 997, I). A ausência de sócios de fato no contrato social pode gerar riscos para a sociedade e seus membros, especialmente quando envolve relações com credores e órgãos fiscalizadores. Além de representar uma afronta aos princípios de transparência e segurança jurídica, essa prática pode configurar uma simulação jurídica, com sérias consequências legais.

A jurisprudência reitera que a simulação é uma fraude contra terceiros, tornando nula a atuação oculta de sócios em sociedades limitadas. Em decisões recentes, os tribunais têm determinado a retificação de quadros societários quando constatada a presença de sócios ocultos, a fim de garantir a legitimidade e a segurança das operações empresariais. É o se extrai, por exemplo, do seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: 

CIVIL E EMPRESARIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE EMPRESARIAL DE FATO C/C APURAÇÃO DE HAVERES E DANOS MORAIS. APELAÇÃO CÍVEL. JUSTIÇA GRATUITA. REVOGAÇÃO. DESCABIMENTO. PRESUNÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO AFASTADA. NULIDADE DE SENTENÇA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO.PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. SOCIEDADE LIMITADA. SÓCIO DE FATO. SIMULAÇÃO. OCORRÊNCIA. DISSIMULAÇÃO. RETIFICAÇÃO DO QUADRO SOCIETÁRIO. EX-CÔNJUGE DO SÓCIO DE FATO. DIREITO. MEAÇÃO DAS QUOTAS. NECESSIDADE. APURAÇÃO DE HAVERES. SENTENÇA REFORMADA. [...] O reconhecimento de um sócio não constituído no contrato social da empresa sugere a existência de uma situação dissimulada. E no âmbito do direito civil, esta situação dissimulada é conhecida como simulação, a qual, segundo o art. 167, § 1º, inciso I, do Código Civil, ocorre quando, dentre outras possibilidades, os negócios jurídicos “aparentarem conferir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem”. 6. Havendo uma simulação subjetiva relativa, consubstanciada na dissimulação, mister se faz a retificação do quadro societário, de modo que subsistirá a sociedade com o sócio de fato que está dissimulando. [...] (TJ-DF 00101823820178070015 DF 0010182-38.2017.8.07.0015, Relator: LEILA ARLANCH, Data de Julgamento: 04/12/2019, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 13/12/2019 . Pág.: Sem Página Cadastrada). (Grifou-se).

Essa exigência judicial reforça a posição de que, em sociedades limitadas, a inclusão de sócios no contrato social é imperativa para evitar a configuração de fraudes ou dissimulação de responsabilidade.

 Distinção entre Sócios Ocultos e Sócios de Fato

A figura do sócio oculto, de acordo com o direito brasileiro, está atrelada a situações específicas, como nas sociedades em conta de participação, onde um sócio ostensivo representa a sociedade perante terceiros. No entanto, o sócio de fato participa das atividades da empresa sem constar formalmente no contrato social. Embora o sócio de fato tenha responsabilidades limitadas, ele também não tem garantia legal plena de direitos, o que pode comprometer a proteção patrimonial dos envolvidos. Em sociedades limitadas, a ocultação de sócios de fato tende a ser vista como uma tentativa de dissimulação, o que pode resultar em anulação dos direitos de participação e exposição dos sócios formais a obrigações adicionais.

A Sociedade em Conta de Participação (SCP) como Alternativa

Diante das limitações jurídicas de ocultação de sócios em sociedades limitadas, a Sociedade em Conta de Participação (SCP) surge como uma alternativa para empresas que desejam integrar investidores sem formalizá-los como sócios no contrato social. Na SCP, apenas o sócio ostensivo aparece publicamente, enquanto os sócios participantes permanecem ocultos, o que lhes confere discrição na operação da empresa. Contudo, a SCP apresenta riscos específicos: não possui personalidade jurídica e exige que o sócio ostensivo assuma integralmente as responsabilidades perante terceiros, o que inclui a possibilidade de responder com seu patrimônio pessoal. Essa modalidade é comumente utilizada em negócios que envolvem investidores-anjo ou empreendimentos iniciais que buscam capital sem compartilhar a gestão. Porém, o sócio ostensivo, em tais arranjos, arca com uma alta exposição financeira e legal, o que pode desincentivar o uso da SCP em empreendimentos de maior risco.

Vantagens e Limitações da Sociedade em Conta de Participação

Embora a SCP ofereça um meio legal de ocultação de sócios, sua aplicabilidade deve ser cuidadosamente considerada, principalmente porque o sócio ostensivo fica totalmente exposto. A vulnerabilidade desse sócio diante de obrigações societárias, financeiras e legais é um aspecto que deve ser ponderado por empresas que pretendem adotar essa estrutura. Em startups, onde investidores-anjo procuram participar sem exercer controle direto, a SCP pode ser uma solução interessante, permitindo que o investidor atue como sócio oculto enquanto o sócio ostensivo conduz as operações. No entanto, essa configuração requer planejamento jurídico detalhado, como a elaboração de contratos parassociais que definam com precisão os papéis e responsabilidades dos sócios, mitigando potenciais conflitos e riscos para o sócio ostensivo. Diante dos riscos envolvidos, recomenda-se que o uso da SCP seja restrito a contextos onde a simplicidade e o sigilo dos investidores são primordiais e onde o sócio ostensivo tenha capacidade para gerenciar as responsabilidades.

Considerações Finais

A participação de sócios ocultos em sociedades limitadas é uma prática legalmente questionável, pois fere o princípio de transparência e pode ser considerada uma fraude contra terceiros. Embora a SCP possa ser uma alternativa viável para incluir sócios ocultos, é uma solução que demanda cautela, uma vez que expõe o sócio ostensivo a obrigações significativas. Portanto, para empresas que buscam uma estrutura societária flexível, a SCP pode ser viável, mas exige medidas adicionais para reduzir os riscos.


Carlos Augusto de Souza Santos, Advogado. 

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